Zepelim |21.01.2010| Milarepa & Cho Oyu

Depois de duas emissões de “excesso ruído”, o Zepelim  entra em retiro contemplativo no cruzamento entre duas experiências sensoriais distintas, tendo o Tibete como cenário de fundo. Partimos nesta emissão, por recuperar o disco Songs of Milarepa (1983, Lovely Music) da compositora francesa Eliane Radigue. Nascida em Paris, no ano de 1932, Radigue estudou técnicas de música electro-acústica no Studio d’Essai da R.T.F., sob a direcção de Pierre Schaeffer e Pierre Henry (autor da faixa Psyché Rock, que mais tarde seria adaptada para a série televisiva Futurama).  Durante cerca de dez anos, investiu na sua formação musical clássica a partir dos instrumentos harpa e piano. No início dos anos 70 trabalhou na New York University School of the Arts e nos estúdios de música electrónica da Universidade de Iowa e no Instituto de Artes da Califórnia, altura em que começou a desenvolver o seu trabalho com o ARP 2500, que passou a ser o instrumento quase exclusivo ao longo da sua discografia. Em 1974, Eliane Radigue deslocou-se ao Mills College, a convite de Terry Riley, para apresentar o seu primeiro Adnos, onde contactou com um grupo de estudantes franceses que compararam a fluência e itensidade dos seus drones com a profundidade da escola do Budismo Tibetano. Eliane Radigue inicia a partir daí o estudo e práctica do Budismo Tibetano auxiliada pelo guru Pawo Rinpoche, cessando a sua actividade artística durante cerca de três anos. Durante esse período de aprendizagem, Eliane contactou com poemas do tibetano Jetsun Milarepa. Milarepa,  viveu durante o século XI (d.c), dedicando vários anos da sua vida à solidão das montanhas. Após uma vida de reflexão e contemplação alcançou um elevado e iluminado entendimento que o permitia explicar as complexas questões que os seus discípulos lhe colocavam, espontaneamente em estilo de poema ou de canção. Apesar da sua biografia estar envolta numa nuvem de romance, afirma-se que tenha composto 100,000 canções para comunicar as suas ideias, enquanto ensinava e conversava. Um largo número de histórias e canções de Jetsun Milarepa foram traduzidas para várias línguas ocidentais, muitas resistindo ao tempo apenas pela expressão oral. No disco Songs of Milarepa, Eliane Radigue recupera as canções de Milarepa presentes no livro Drinking the Mountain Stream, e convida Lama Kunga Rinpoche, para as cantar em Tibetano, enquanto Robert Ashley dá voz à tradução inglesa sobre os drones do ARP 2500. Nesta emissão podemos escutar duas faixas retiradas de Songs of Milarepa: “Song of the Path Guides” (21:01min.) e um alongado excerto de “Eliminations of Desires” (17:17min.). Mas Songs of Milarepa, foi apenas o primeiro trabalho que Eliane Radigue dedicou ao poeta tibetano, seguiu-se em 87 o disco Jetsun Mila, em 92, Mila’s Journey Inspired by a Dream e em 98 a Lovely Records reedita Songs of Milarepa numa edição em dois discos.

Às faixas de Songs of Milarepa destacadas neste Zepelim, cruzamos os Field Recordings do músico norueguês Geir Jenssen, também conhecido como Biosphere, presentes em Cho Oyu 8201m – Field Recordings From Tibet (Ash International, 2006). Para além da sua vida artística, Jenssen pratica montanhismo e foi na escalada à sexta montanha mais alta do mundo Cho Oyu com 8.201 metros, situada a 20 km oeste do monte Evereste que gravou com um pequeno MiniDisc, os field recordings presentes em Cho Oyu 8201m. Estas captações, funcionam como um diário sonoro da sua escalada, feitas de momentos de espera, antecipação, vento, chuva e de pequenas escutas hertzianas como último contacto com a civilização.

Se através de Eliane Radigue a montanha é um símbolo de nascimento filosófico e poético, em Geir Jerssen a montanha é um obstáculo conquistável, coisa do corpo.

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Carlo Patrão