Zepelim |29.04.2010| Portugal: Turismo Radiofónico

"estranha terra esta, onde os bois até lavram  no mar" Raul Brandão
“estranha terra esta, onde os bois até lavram no mar” Raul Brandão

Zepelim desta semana fez-se em formato postal sonoro. Apresentámos uma colagem com diferentes realidades sonoras do nosso país desde tradições orais, a field recordings ou música experimental. Ao longo de toda a emissão podemos escutar alguns excertos e faixas completas presentes na Antologia de Música Electrónica Portuguesa organizada por Rafael Toral e editada pela Tomlab em 2004. Sobre esta antologia Rafael Toral escrevia em 2003: O meu objectivo foi o de tecer um fio histórico que ultrapasse livremente fronteiras entre os territórios culturais dos autores e documentar a maior diversidade possível de abordagens à electrónica, tanto a nível material como conceptual (…). Esta antologia sintetiza os maiores nomes da música electrónica experimental feita em Portugal, e podemos escutar registos desde o período pré-25 de Abril até aos finais da década de 90.  Desta antologia  retirámos a composição de Isabel Soveral anamorphoses i de 1994, Soveral formou-se pelo Conservatório Nacional de Lisboa onde estudou com o compositor Jorge Peixinho, é actualmente professora de Composição e Teoria e Análise Musical na Universidade de Aveiro. Adicionámos ainda um excerto da composição Silence to Ligh (1992) de João Pedro Oliveira e Lisbon Revisited de Emanuel Dimas de Melo Pimenta, músico, arquitecto, fotógrafo e artista intermédia cuja a sua obra tem sido reconhecida e elogiada ao longo do tempo por nomes como John Cage, Ornette Coleman ou Merce Cunningham.

Ao obscuro registo da antologia de Toral adicionámos música tradicional proveniente essencialmente do norte do país. Utilizámos as gravações de Max Peter Baumann e Tiago de Oliveira Pinto, realizadas em Portugal entre o mês de Março e Abril de 1988 que deram origem à compilação Musical Traditions of Portugal (vol.9) inserida na colecção The World’s Musical Tradition editada pela Folkways em 1995. A primeira faixa que ouvimos tem o nome de Soldados Violadores e é uma balada cantada sem acompanhamento instrumental, e que nesta versão podemos ouvir na voz de Marta dos Anjos Martins Fidalgo, uma habitante da freguesia de Duas Igrejas (em mirandês Dues Eigreija) do conselho de Miranda do Douro. Este tipo de canções tradicionais encontram-se mais conservadas na zona norte de Portugal continental e nos Açores. Muitas delas estão associadas a celebrações religiosas, a horas específicas do dia de trabalho, ou simplesmente como partilha em serões familiares juntos à lareira.  A canção Soldados Violadores, conta a história de um rapto e violação de uma jovem rapariga que se vê obrigada a refugiar-se nos montes face à vergonha e desonra. Várias versões desta canção foram encontradas, para além do distrito de Bragança, em Vila Real, Guarda, Viseu, Castelo-Branco, Coimbra, Lisboa e Faro.

Esta canção foi também encontrada fora do território português em comunidades sefarditas de Marrocos, o que nos dá uma pista da sua antiguidade se tivermos em conta que os sefarditas se refugiram em grande parte no norte de África entre o período de 1478 a 1834 fugindo das perseguições da Igreja Católica.

Modelos da relação entre música, cultura e contexto geral (Oliveira Pinto, 2001)

Cruzámos as anteriores recolhas com as presentes em Porto- Folklore Fragments vol. 2, da dupla Alejandra & Aeron. Alejandra Salinas é espanhola nascida em 1977 em La Rioja, enquanto que Aeron Bergamn (1971) é um americano de Detroit, actualmente a leccionar na Academia Nacional de Arte de Oslo, cidade onde o casal está radicado. O trabalho desta dupla estende-se por diversas linguagens intermedia desde o som ao vídeo, instalação, etc. Alejandra  & Aeron realizaram uma pesquisa e levantamento sonoro de La Rioja dando inicio à colecção Folklore Fragments. Em 2005, escolhem a cidade do Porto para o volume 2. Um disco que apresenta uma visão social, política e estética das propriedade sonoras do ambiente que rodeia o Porto, celebrando as peculiaridades e imaginário da cidade

Alejandra Salinas & Aeron Bergman

invicta e da sua região. Dessas gravações escolhemos ouvir o ambiente sonoro captado nas caves Graham’s conhecidas por produziram Vinhos do Porto Vintage, marcados por: cor rubi/púrpura opaca e escura. Aromas de violetas exalam do copo! Na boca, sabores inesgotáveis de amoras silvestres maduras revestem o palato.Estrutura de grande profundidade com sabores de alcaçuz-doce que combinam com taninos firmes, dotando este vinho de uma complexidade excepcional. Liberta um longo e persistente aroma (Peter Symington, 2003). Escolha inteligente do casal Alejandra & Aeron? Para lá desse registo escutámos, uma curiosa gravação da Festa da Bugiada em Sobrado (Valongo) que se realiza no dia de S. João (24 de Junho), e tem como pano de fundo a encenação da disputa entre cristãos (Bugios) e mouros (Mourisqueiros) por uma imagem milagrosa do santo (informações mais detalhadas aqui).

Festa da Bugiada em Sobrado (Valongo)

À parte do disco Porto-Folklore Fragments vol. 2, escutámos a faixa Imperfect Reliability gravada em 2008 no pequeno Museu das Rendas em Vila do Conde, onde se encontram durante a semana das 9-17h, mulheres rendeiras formando uma autêntica instalação sonora em permanência  no Museu. Esta é uma gravação realizada no âmbito do Circular: 4º Festival de Artes Perfomativas de Vila do Conde [2008] e nela podemos escutar o som produzido pelas rendeiras. Um som que facilmente podemos confundir com chuva, espanta-espíritos ou porque não, música electrónica (?)…

Adicionámos ainda uma presença já habitual no Zepelim, as gravações de campo de Luís Antero, numa das suas mais recentes ediçõesSound Narratives vol. 4 (Bypass, 2010) onde podemos encontrar sonoridades de animais, água e ambiências de várias localidades da zona da Beira Serra. Luís Antero nos últimos anos tem vindo a construir um profundo retrato desta região através de field recordings inalterados que disponibiliza para download gratuito para que possamos guardar valiosos pedaços da memória rural.

Luvas de Rafael Toral no projecto “Space”

Bem perto do final da emissão podemos escutar a faixa Portugal: Qual é o caminho da Praia de Stu Phillips, compositor do famoso genérico de Knight Rider, aqui num tema encontrado na banda sonora de um documentário de surf de 1969 de nomeFollow me (trailer), que atravessa as praias de Cascais, Guincho e Nazaré. Já a pontuar o início e o fim do programa apresentámos um antigo spot publicitário da companhia aérea americana Pan Am que para além de vender as suas viagens, vendia essencialmente uma ideia de aventura e de arrojo inconsequente…

Portugal – Get up and Go!

leave the phone off the hook

teach the cat how to cook

be a man not a mouse,

sell your car,

rent your house

get away right away like today

For once in  a life time get into this world

PODCAST:

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Carlo Patrão